Por Janaina Pereira
O ano é 1988. O filme: Acusados, de Jonathan Kaplan, conhecido até então pelo bom Projeto Secreto: Macacos, estrelado pela estrela teen dos anos 1980, Matthew Broderick (o eterno Ferris Buller de Curtindo a Vida Adoidado). O longa de Kaplan poderia passar desapercebido no mundo do cinema se não fosse sua temática, que já na década de 1980, causava controvérsias. Abordando uma história de estupro, Kaplan não só fez um filme marcante como ajudou a colocar o tema em evidência – e três décadas depois o filme continua muito atual.
A trama gira em torno de Sarah (Jodie Foster), uma jovem pobre, que ocasionalmente usa drogas e gosta de beber. Um dia ela vai a um bar encontrar uma amiga e flerta com um rapaz. O que seria apenas um amasso se torna um estupro coletivo: o tal rapaz não só violenta publicamente Sarah, como recebe apoio de outros homens. Sarah é estuprada diante de uma plateia que encoraja outros a fazer o mesmo; a moça é brutalmente violentada por três homens diante de uma torcida organizada a favor do estupro. Sua amiga vê a cena e vai embora; o amigo de um dos estupradores assiste indignado e só depois que ela consegue fugir, ele avisa à polícia, anonimamente, o que aconteceu.
O caso vai parar nas mãos da promotora Kathryn Murphy (Kelly McGillis), que acredita no estupro, mas acha que, como Sarah é sensual e flertou com um dos estupradores, o caso não vai adiante. Ainda assim, consegue uma condenação leve, de agressão corporal. Sarah, revoltada, deseja mais: ela quer punir também os homens que incitaram a violência. E convence Kathryn a levar três dos incitadores ao tribunal.
Claro que o julgamento é um show de machismo e acusações de que a vítima foi a responsável pela violência, afinal, ela bebeu, fumou, dançou, era sexy e ousada. A cena de estupro, exibida com detalhes, é uma das mais chocantes da história do cinema. E, o pior de tudo, é que foi baseada em uma história real, que aconteceu em 1983 em um bar na cidade de New Bedford, em Massachussets.
Acusados rendeu a Jodie Foster o seu primeiro Oscar de melhor atriz, em um ano de fortes candidatas – ela desbancou a favorita Glenn Close (indicada por Ligações Perigosas), e a onipresente Meryl Streep (que concorria por Um Grito no Escuro). Foster realmente brilha no filme, imprimindo dor e revolta à sua personagem com um simples olhar. Foi com este longa que a ex-menina prodígio do cinema conseguiu, finalmente, ser vista como uma atriz madura, alavancando sua carreira.
Outro destaque do elenco é Kelly McGillis, na época uma atriz em alta graças ao sucesso como par romântico de Tom Cruise em Top Gun – seu nome, inclusive, aparece primeiro nos créditos. McGillis foi convidada para fazer o papel de Sarah, no entanto, preferiu interpretar a promotora Kathryn Murphy porque ela mesma foi vítima de estupro, e não queria reviver o drama. A atriz fez questão de participar do filme, como forma de denunciar esse tipo de violência.
Vale lembrar que nos anos 1980, filmes como Acusados eram raros. Naquela época, a violência contra mulher era tratada de forma superficial e posso dizer, sem medo de errar, que Acusados foi o primeiro a abordar o estupro do ponto de vista do preconceito que envolve as vítimas. Quase 30 anos depois, infelizmente, continua sendo um filme atual, verdadeiro, forte e necessário.
Além do Oscar de Jodie Foster, Acusados concorreu a outros prêmios, incluindo o Urso de Ouro do Festival de Berlim de 1989, porém fez mais sucesso de crítica do que de público. Claro que não é um filme fácil de ver, porque ele mostra de forma contundente que o estupro é horrível, mas o que vem depois dele é tão ruim quanto. Por isso mesmo é importante assistir e refletir, em tempos onde a mulher continua sendo tratada como objeto e responsável pela violência contra ela mesma, fato alardeado pela cultura do estupro.
Vi o longa pela primeira vez na adolescência, anos depois dele ser exibido no cinema, e fiquei muito horrorizada. Cenas de estupro sempre me incomodam, e é algo que não gosto de assistir mesmo que o filme seja uma denúncia. Revi outro dia, e o que mais me deixou indignada é o fato dele ser tão atual; da mulher ainda ser vista da mesma forma; dos homens continuarem achando que mesmo a mulher dizendo ‘não’, eles não fizeram nada de errado ao continuar o ato sexual.
Indico Acusados como um filme fundamental para quem tem esperança que nossa sociedade vai melhorar – e como forma de denunciar que a cultura do estupro continua aí e cabe a nós denunciá-la.